Ártico

domingo, 30 de março de 2014

O NARIZINHO DA ANITTA E OS PERIGOS DO BRANDING


Anitta antes e depois - irreconhecível
Vamos falar de Anitta, mas antes: todo artista ou celebridade é uma marca. Da mesma forma que se constrói com cuidado uma marca empresarial, também é preciso trabalhar o branding de um "produto" do entretenimento. Ele vale muito dinheiro no mercado e sem um gerenciamento correto não tem uma vida útil muito longa. 

Artistas/Celebs são pessoas que se distinguem por criar algum tipo de identificação especial com um segmento de público, baseado no seu talento, carisma, personalidade e aparência. Isso já pode vir pronto ou estar em estado "bruto" e ser lapidado por especialistas em branding

Adam Lambert e seu estilo glam, meio Ziggy Stardust
Às vezes o artista intuitivamente define sua persona e espontaneamente gera um resultado interessante, como é o caso de Lady Gaga e Adam Lambert. Mas geralmente trata-se de um grande esforço profissional. Escolhe-se o corte de cabelo, o estilo da roupa e do repertório, gerencia-se as oportunidades de geração de mídia, ensaia-se as declarações em entrevistas e às vezes até opta-se por esconder namorados ou alguma preferência sexual. Tudo composto e pensado para posicionar aquele "produto" de forma consistente junto à sua audiência (os demographics).

Keanu Reeves e Ricky Martin foram firmemente orientados esconder sua homossexualidade caso não quisessem perder, respectivamente, o status de herói de filmes de ação e latin lover da música. Mesma sorte não teve o ator inglês Rupert Everett, que já declarou em entrevistas como sua carreira foi ladeira abaixo depois que saiu do armário. Quando a cantora teen Britney Spears foi morar com Justin Timberlake, ficou impossível sustentar a identidade da santinha virgem; quando tornou-se mãe de duas crianças, ficou difícil manter o posicionamento de lolita sexy e rebolativa, vivenciando um período de perda de identidade artística que a levou a raspar a cabeça, engordar, apresentar-se no MTV Awards embriagada e beijar Madonna na boca.

Mais que uma camaleoa, uma excepcional mulher de marketing
Falando em Madonna, esta soube reinventar-se aproveitando todos os modismos culturais (já fez a linha trash, latina, anti-católica, fashion, disco, erótica e clubber), sempre produzindo shows ousados e  imagens icônicas em figurinos e cortes de cabelo, sacando desde cedo a ruptura do modelo de negócios do setor fonográfico e investindo nos mega-espetáculos ao invés dos CDs. 

Bem, chegamos em Anitta. Uma menina que tem o mérito de ser ousada, muito focada, vendendo uma imagem forte e independente de mulher que explora sua sensualidade. Compreendeu os riscos da profissão e logo tratou de estudar inglês e contratar um terapeuta para o sucesso não lhe tirar do prumo. Ganhou fama rápido, reinvestiu seu dinheiro em melhorar a estrutura dos shows e foi crescendo no mercado. A ponto da marca de coloração Koleston usá-la para um buzz marketing ao tingir seus cabelos negros de loiro, ação semelhante à que fizeram tornando Xuxa morena. E de repente, quando deveria ser o auge do buxixo, a menina sai de cena e ressurge irreconhecível após uma rinoplastia, roubando totalmente o foco da ação promocional. Se eu fosse o gerente de marketing da empresa, estaria bem irritado e me amaldiçoando por não ter amarrado melhor o contrato. Você contrata uma pessoa e recebe outra. 

Jennifer Gray, antes/depois
Mas o fator mais grave não é a "traição" ao patrocinador. É a traição aos fãs daquela morena forte e de traços exóticos bem brasileiros, que agora se tornou uma loirinha banal. Me lembra um caso semelhante ocorrido com a atriz Jennifer Grey, que no auge da fama pós Dirty Dancing fez uma rinoplastia que a deixou irreconhecível. A atriz chegou a considerar mudar de nome e iniciar sua carreira do zero, pois "Entrei na sala de operações uma celebridade - e saí anônima. Era como estar em um programa da proteção às testemunhas ou ser invisível", disse ela. 

Anitta tem a vantagem de viver em um mundo de mídias sociais onde sua nova cara pode ser exibida e disseminada à exaustão. Não creio que corra o risco do anonimato, mas a identificação com o seu público cativo ela já perdeu. Vejamos que imagem ela projetará daqui em diante, pois a brasilidade e a personalidade forte não colam mais nesse novo rosto de patricinha. 




quarta-feira, 5 de março de 2014

A CARNE É FRACA E O PECADO QUASE MORTAL

A polêmica da hora é a campanha da Friboi usando o sabidamente vegetariano Roberto Carlos como garoto-propaganda. Estamos falando, na verdade, de duas marcas distintas: a do frigorífico e a do artista, ambas com indiscutível alto valor de mercado. E o que ela nos ensina sobre branding? 


A Friboi vinha de um abalo reputacional ao ser relacionada com Lulinha, filho do ex-presidente Lula, seu pretenso sócio, que ficou milionário da noite para o dia com negócios cuja lisura até hoje se questiona. A marca conseguiu dar a volta por cima lindamente, ao utilizar o acima-de-qualquer-suspeita, admirado e carismático Tony Ramos para fazer suas campanhas na mídia, alavancando R$ 300 milhões em vendas de produtos. 

Embalados pelo sucesso, mas equivocados na forma, pagaram R$ 25 milhões de cachê para o "Rei" da música romântica ser o novo porta-voz da empresa. Se o anúncio pretendia criar buzz, conseguiu. Mas como sempre é preciso qualificar: foi positivo ou negativo? Se a intenção era fazer uma paródia, tipo "o bife é tão bom que até vegetariano balança", o texto mal escrito e a interpretação canastrona do cantor não entregaram esse efeito e soaram como tentativa de enganação. E ficou ainda pior para a marca "Roberto Carlos": um artista que estaria em decadência e perverteu seus princípios, se vendendo por dinheiro. O cineasta Fernando Meirelles da Conspiração filmes foi honesto e entregou que Roberto nem tocou na carne. 

Outra empresa do Grupo JBS, a Seara cometeu o mesmo pecado ao usar a também vegetariana Fátima Bernardes para anunciar seus embutidos, primeira e única vez que a apresentadora fez campanha publicitária na vida. E embolsou R$ 5 milhões pelo pacote merchandising/anúncios. Uma gota d'água no oceano para um grupo empresarial que faturou R$ 100 bilhões em 2013


Associar celebridades e formadores de opinião a produtos não é novidade e funciona. Mas tem que ser bom para ambos os lados e gerar CREDIBILIDADE. Alguém acredita que a Hebe pintava seus loiros cabelos com Cor&Tom? Que Adriane Galisteu bebia Tang? No entanto, você pode bem acreditar que Neymar use cuecas Lupo, seja correntista do Santander e assista TV Panasonic; ou que Gisele Bundchen use jóias Vivara e trate seus cobiçados cabelos com Pantene. A aderência dos produtos ao porta-voz é grande. 

Para se ter uma idéia, as ações da Victoria’s Secret caíram 31,5% em 2007 quando a modelo deixou de ser uma das Angels. O economista americano Fred Fuld calculou que o valor de mercado de Gisele pode chegar a US$ 445 milhões (R$ 1,05 bilhão), engolindo o de Neymar (US$ 77,5 milhões ou R$ 183 milhões). 

Ou seja, o brand equity de uma celebridade é altíssimo,  precisa ser preservado e pode render muitos frutos ao longo dos anos se trabalhado de forma consistente e cuidadosa. 


De volta aos bifes e salsichas, em tempos de rede social, me parece equivocado que qualquer formador de opinião arrisque o valor de sua marca pessoal por uma transação comercial individual. E a máxima do "falem bem, falem mal, mas falem de mim" já causou muitos assassinatos de produtos e demissões de diretores de marketing, como foi o emblemático anúncio viral "Lelek Lek" do Mercedes Classe A, repudiado pela própria matriz, que deu munição para a concorrente BMW fazer várias paródias e foi eleito uma das "gafes de marketing do ano" pelo Meio & Mensagem.